O Brasil possui grandes instituições públicas com capacidade de produção de vacinas em larga escala para atender a nossa população, inclusive competência para exportação. Porque estamos atrasados nesta entrega e dependentes de produtores do exterior, em especial da China? Um dos fatores é que, apesar de possuirmos potencial técnico e estrutural para a produção dos imunizantes, falta a matéria prima, e não possuímos nenhuma estrutura nacional com a capacidade de entrega rápida de tais insumos para atender a demanda atual.
Engajada em iniciativas a favor do fortalecimento da biotecnologia brasileira, Maria Magalhães, diretora Técnica de Life Science e Insumos Estratégicos da AnbiotecBrasil, alega que o Brasil sofre porque as dificuldades hoje por sermos completamente dependentes da vontade alheia e políticas externas. “Enquanto isso, nosso povo clama por vacinas de maneira rápida. E a economia também é refém da disponibilidade de produtos e insumos para que as atividades econômicas voltem à normalidade e, agora, todos se unem clamando por agilidade na entrega das vacinas”, avalia a especialista.
A diretora, que também é professora de Produção Animal e Alimentos do Departamento de Ciências Agroveterinárias da Universidade do Estado de Santa Catarina e sócia-diretora da Scienco Biotech, destaca a importância do artigo “Vacinas: sem autonomia em biotecnologia, o Brasil vira refém de outros países”, publicado pelo cientista Carlos Roberto Prudêncio, do Instituto Adolfo Lutz, no site Gazeta do Povo (leia abaixo).
O fortalecimento da cadeia de insumos biotecnológicos nacionais é uma pauta muito forte abordada pela nova gestão da Anbiotec Brasil e passa pelo levantamento de demandas e estrutura no setor, fortificação das relações entre Academia/Instituições de Pesquisa e mercado, fortalecimento de empreendedorismo e inovação, e políticas públicas para fortalecer os insumos nacionais.
Mas a cadeia produtiva em Biotecnologia não se constrói da noite para o dia, e somente agora, em estado de pandemia é que percebemos que o Brasil não fez o seu dever de casa, e que investimento em Biotecnologia, Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação não é supérfluo, mas sim necessidade básica para manter um país com saúde e dignidade.
Confira abaixo artigo publicado no site Gazeta do Povo
Vacinas: sem autonomia em biotecnologia, o Brasil vira refém de outros países
“A falta de insumos para as vacinas contra a Covid-19 afeta diretamente a produção tanto da vacina da Universidade de Oxford, que tem para produção no país a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), quanto a CoronaVac, que será produzida pelo Instituto Butantan”, confirma . A Fiocruz vai atrasar a entrega das vacinas, devido à demora na chegada de insumos. O governo indiano chegou a divulgar que daria início à exportação de vacinas, mas que o Brasil ficaria de fora da lista de países contemplados. Mas o impasse foi resolvido e o Ministério da Saúde informou que a entrega de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca está prevista para sexta-feira (22).
De forma estratégica e imagino até chantagista, a China paralisou a entrega de insumos para o Brasil produzir a Coronavac, embora já tenha enviado inicialmente uma boa quantidade, mas insuficiente para atender a grande demanda existente no país. Até o momento, a CoronaVac e a vacina de Oxford são as duas únicas autorizadas para uso emergencial pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Vale lembrar que temos uma terceira opção oriunda da Rússia, com pedido de uso emergencial submetido para a Anvisa, a ser produzido pela empresa União Química. Mas o pedido foi negado, pois a documentação não atendeu “os critérios mínimos, especialmente pela falta de autorização para a condução dos ensaios clínicos fase 3, a condução em andamento no país e questões relativas às boas práticas de fabricação”.
Uma nação quando não possui autonomia em biotecnologia na área da saúde fica dependente das vontades alheias de outros países. As consequências negativas na condução da pandemia pela falta de ação prática dos agentes públicos foram claramente evidenciadas. Tais atitudes apresentaram consequências determinantes na vida da população e por conseguinte em nossa economia e assim, evidenciando o quanto estamos dependentes de tecnologias estratégicas externas.
A Índia e Coreia do Sul, entre outros países, entenderam isso muito bem alguns anos atrás e na pandemia estão conseguindo minimizar seus efeitos. O Brasil está em uma situação crítica, pois não tem conseguido nem reproduzir tecnologias que nos foram transferidas em razão da grande dependência dos insumos biotecnológicas essenciais para a reconstituição das vacinas. Temos que conciliar ciência e inovação e ambas têm gargalos crônicos que impedem o nosso desenvolvimento e soberania.
No Brasil, temos poucos grupos de cientistas trabalhando com temas relacionados a Covid-19 recebendo grandes recursos. Do outro lado, a grande maioria não consegue míseros centavos para aprovar um projeto de pesquisa. Está cada vez mais evidente que o monopólio continua na elite científica e estes em sua imensa maioria reinaram por décadas e sempre tiveram grandes dificuldades no trânsito entre pesquisa e inovação. Comprovando isso em nosso país nunca foi desenvolvido uma vacina inteiramente nacional na área humana.
E a perspectiva ainda é pior, pois alguns estudos têm apontado que a elite científica está se distanciando cada vez mais do cientista médio em algumas áreas do conhecimento. Após a pandemia, provavelmente a elite estará mais fortalecida e os demais estarão caminhando para uma vala comum em razão das estratégias segregantes adotadas na gestão científica. Apesar de possuir grande admiração por uma parcela destes gestores e saber da grande capacidade de nossos cientistas, não posso concordar que as coisas serão diferentes desta vez. Continuamos ainda em um oligopólio científico como nas décadas anteriores.
Apesar de inúmeras políticas de incentivos à inovação, o Brasil tem baixa produção de patentes e pouco investimento em P&D, principalmente no setor privado. Isso ocorre porque a maior parte dos incentivos acaba sendo absorvida por um número pequeno de grandes empresas. De fato, temos poucas empresas de base nacional. Além disso, os governos têm fornecido diversas formas de proteção e subsídios para essas grandes empresas, o que desestimula a concorrência e a adoção de práticas de gestão atuais.
Por fim, o país tem carência de capital humano adequado para essa finalidade, pois a educação básica é fraca. Além disso, o número e a qualidade de graduados atuantes profissionalmente nas áreas científicas é limitado por ser muito pouco atrativo para empreender ou mesmo para ser absorvido pelo mercado de forma satisfatória.
Esses fatores explicam em sua maioria a falta de inovações no Brasil. Para aumentar a taxa de inovações e da produtividade, o país precisa estimular a concorrência, com redução de tarifas de importação e impostos, diminuição da burocracia para abertura e gestão de empresas. Além disso, é fundamental melhorar a qualidade da educação básica, estabelecer colaborações entre as universidades, institutos de pesquisa e empresas coordenando nossos esforços de inovação em meio a um ambiente de liberdade econômica.
Ainda falta muito para que tenhamos um país autônomo em biotecnologia aplicada em saúde. Se com a pandemia não revertermos essa situação apresentada, realmente não haverá mais o que fazer em prol de um futuro saudável.
* Carlos Roberto Prudencio
Pesquisador Científico, Centro de Imunologia. Instituto Adolfo Lutz, São Paulo, SP