As instituições que representam cadeias setoriais, como as de biotecnologia, têm papel essencial na defesa de iniciativas que possibilitem o atendimento de demandas da população. O papel estratégico das organizações privadas e públicas no contexto pandêmico é defendido pelo cientista Marcos Freire, do Subcoordenador Geral de Desenvolvimento Tecnológico do CDTS, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Na entrevista abaixo, ele reitera que o desenvolvimento de uma vacina segura e eficaz requer a superação de obstáculos para obter um produto economicamente viável e em quantidade capaz de atender à urgente demanda mundial. As ações demandam o fortalecimento de áreas como a biotecnologia, em que o apoio da AnbiotecBrasil ganha contornos especiais. Especialmente neste momento em que o setor ganhou visibilidade.
Para Marcos Freire, diante de tudo o que está acontecendo, nessa hora ressalta a importância de dominar as tecnologias. Em suas diversas etapas. Das patentes, do conhecimento, da capacidade instalada, ensino e disseminação de conhecimento até a produção e distribuição de produtos. Passando pelo “estado da arte” do domínio das informações para que seja possível a transferência do legado para as novas gerações, favorecendo a inovação permanente.
Como reconhecem inúmeros integrantes da comunidade científica brasileira, as tecnologias poderiam estar melhor disseminadas. Afinal, há infraestrutura para a produção, com órgãos, como a própria Fiocruz e o Instituto Butatan, que dominam os conhecimentos necessários para atender as demandas da sociedade. A questão central do momento é que a produção científica está fragilizada diante de cortes de investimentos e mudanças de prioridades governamentais.
A pandemia, apesar de tudo, evidencia que há muita capacidade de geração de pesquisas e de artigos científicos. “Mas não existe poder de resposta para as demandas na velocidade requerida, com propostas e produtos desenvolvidos totalmente autóctones”, avalia. O resultado, completa, é que o País fica na dependência dos acordos com terceiros para novamente obter transferência tecnológica para poder enfrentar a pandemia.
Há a exigência de política de longo prazo. A capacidade instalada requer investimentos em várias camadas da área acadêmica à industrial, inclusive inovação e área clínica. A prospecção é um item essencial para identificar tendências e oportunidades. “Sem investimentos públicos não há perspectivas”, afirma, contradizendo o mito vigente de esvaziamento das funções governamentais, do Estado. Na prática, os países que se desenvolvem tecnologicamente se beneficiam da decisão estatal de favorecer segmentos estratégicos.
Investimentos em capacidade instalada são inevitáveis, inclusive para oferecer oportunidades para a área acadêmica. Muitos professores superam as dificuldades, mas há necessidade de oferta de estrutura para possibilitar a viabilização dos projetos. Isso significa a defesa de investimentos também em pessoas, em competências, propiciando um sistema interligado. Não adianta atuar em uma ponta apenas. Sem a cadeia de inovação toda pensada, não há possibilidade de progredir.
Há uma dificuldade muito grande ainda no meio da cadeia de inovação. Quando vc pensa em fazer uma vacina. Temos cientistas bons, capazes de gerar alguns antígenos candidatos. Mas então surgem os problemas, como as dificuldades de realização de testes pré-clínicos e clínicos. Onde provar o conceito, onde fazer ensaios em animais. Há limitação de laboratórios para fazer o trabalho.
Para produzir uma vacina, precisa ter desenvolvimento de processos de produção. Cai na mesma questão, da escassez de laboratórios para fazer os testes em condições ideais. Há muitas carências. Se ultrapassar as barreiras, os estudos clínicos ainda dependem de outros fatores, até chegar à produção industrial.